domingo, 21 de outubro de 2012

Educação - Para formandos, faculdade é falha no preparo técnico

Empresas reclamam que o egresso do ensino superior não tem capacitação técnica nem comportamento adequado ao mercado





 Ocimara Balmant, de O Estado de S.Paulo

Apesar de o mercado alardear o "apagão de mão de obra", a cada ano mais gente recebe diploma de graduação e espalha currículo feito spam. Para entender essa incoerência à brasileira, uma pesquisa ouviu empregadores, egressos dos cursos superiores e instituições de ensino. A resposta é simples: como praticamente inexiste diálogo entre as empresas e a academia, a maioria dos formados não está apta a atender às expectativas de um contratante cada vez mais competitivo e exigente.

Um cenário que se mede pela própria percepção do egresso: apesar de a maior parte deles acreditar que finalizar um curso superior abre oportunidades de trabalho, 30% dizem que lhes falta conhecimento técnico.

"Isso nos sinaliza que ou as instituições não estão ensinando corretamente, ou dão ênfase ao que não é necessário", diz Thiago Rodrigues Pêgas, diretor do Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior no Estado de São Paulo (Semesp), que encomendou a pesquisa em conjunto com a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).

O levantamento, que funciona como um projeto-piloto, foi realizado na região de Campinas, área com predomínio de empresas mecânicas, de eletrônica, tecnologia, química e alimentícia. A ideia, agora, é aplicar o questionário em todo o Estado de São Paulo. "Mas essa amostra já indica que, se o País quiser mesmo figurar entre os maiores, precisamos aumentar esse diálogo. A indústria já percebe que somos parte da cadeia produtiva. Agora precisamos nos organizar para mudar a imagem que o setor produtivo tem da academia, de que é lenta e pouco afeita a mudanças", sintetiza Pegas.

Paliativo. Enquanto persiste a falta de sintonia, as grandes empresas utilizam-se de seus programas de trainee - tão disputados que chegam a ter mais de 500 candidatos por vaga - para pinçar seus profissionais. No Itaú, por exemplo, foram mais de 25 mil inscritos para as 87 vagas do processo de 2012.

"Como não existe uma faculdade para banco, o que a gente aproveita é o background matemático e a forma com que esse profissional raciocina. O restante, complementamos no programa", diz Marcele Correia, supervisora da área de pessoas. Na última turma, por exemplo, 36% são engenheiros. "Pode-se pensar, mas por qual razão engenheiros em banco? Vou aproveitar o raciocínio lógico, a forma de ele pensar os processos."

A lista de aprovados revela um outra faceta da seleção que também aparece na pesquisa: os programas de trainee recrutam majoritariamente os oriundos de universidades públicas e das instituições privadas mais conceituadas. Uma escolha que acontece até mesmo quando a análise do currículo não é a primeira fase do processo de seleção, como é o caso do próprio Itaú. Por lá, o local de formação só vem à tona na quarta etapa e, mesmo assim, é raro chegar até ali um candidato que não seja egresso dessas instituições.

"Existe um rankeamento baseado no mérito que economiza tempo do empregador. No mundo todo é assim. É uma forma de avaliar o talento, não é uma exclusão", avalia VanDick Silveira, presidente do Ibmec.

O mineiro Augusto Vilela, por exemplo, se formou em Administração na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e diz que sua experiência de vida foi fundamental para ser trainee do Itaú. "Meus professores eram ótimos, mas muitos nunca tinham atuado no mercado. Ao perceber isso, fui buscar outras oportunidades. Trabalhei na empresa júnior da universidade e fiz dois programas de estágio."

Ele acredita que essa vivência fez com que se destacasse nas dinâmicas de grupo, quando demonstrou capacidade de resolver problemas, espírito de liderança e habilidade na gestão de pessoas. "Se tivesse ficado só na sala de aula, não teria desenvolvido essas competências."

Além do despreparo técnico, Karina Ude, gestora de recursos humanos da Bosch, diz que falta aos recém-formados um entendimento do mundo corporativo. "É um choque cultural. Esse profissional chega sem as competências comportamentais desenvolvidas. Não sabe como se portar em uma reunião."

Por isso, o programa de treinamento da multinacional alemã dura dois anos e, além da capacitação técnica, tem módulos focados em autoconhecimento e no alinhamento da cultura pessoal com a organizacional, com mentoria de executivos.

Solução. Para Francisco Almeida, um dos coordenadores da HSM, a distância entre mercado e academia é reflexo da tradição brasileira, que valoriza o professor pelo número de pesquisas e publicações e não se importa se muitos deles não têm experiência de mercado. "É só ver que, no lattes, um artigo publicado ocupa o mesmo espaço de uma experiência profissional."

Uma tradição que deve ser quebrada no curso de Administração da instituição, com previsão de lançamento em 2013 no Rio de Janeiro. Para a concepção do projeto, a instituição fez encontros com diretores de RH e estruturou um curso para atender às exigências técnicas e comportamentais do mercado.

Nos trabalhos em grupo, por exemplo, a avaliação do professor deve contemplar, além do conteúdo, a maneira como o aluno se expressa e o relacionamento com a equipe.

Outra estratégia simples, diz Pêgas, do Semesp, é repensar o comportamento paternal da universidades. "Se o aluno não entrega um trabalho no dia apropriado, o professor aceita no seguinte, porque um dia não interfere na qualidade do material. No ambiente corporativo não é assim. Não há essa tolerância." 

Sem isso, adverte, uma lógica perversa continuará a valer: a de que as empresas contratam por requisito técnico e demitem por mal comportamento.

Jornal O Estado de São Paulo

21 de outubro de 2012 | 23h 00
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